segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Entrevista

EU TINHA UMA TAREFA muito simples. Deveria apenas visitá-lo e fazer-lhe algumas perguntas acerca de sua repentina reclusão que há anos é motivo de curiosidade para os seus leitores. Era tudo o que eu precisava fazer. Sentar-me com ele em sua rústica varanda de cadeiras de madeira, aceitar um copo de água, elogiar o seu trabalho e dirigir-lhe alguns questionamentos prontos que eu carregava em minha mala. Não precisava sequer fazer anotações, uma vez que a tecnologia nos afasta cada vez mais dos lápis e das canetas.

Fui recebido como um visitante que ele esperava ansiosamente. Apesar de não haver nada fora do lugar e os móveis aparentarem um tímido brilho, foi logo se desculpando pela bagunça enquanto um pequeno cão deitado sobre o tapete aos pés de um sofá enchia-se de moderada raiva. Solicitou que eu me sentasse eu uma das cadeiras que circuncidavam uma mesa de madeira de altura reduzida enquanto iria à cozinha buscar algo. Seu amigo baixinho lhe seguiu como se sentisse medo de me fazer companhia, mas eu não dava a mínima para o que ele pensava. Observei o armário cheio de porta retratos, mas ao me aproximar pude perceber que apenas o que havia ali eram as figuras originais do fabricante: famílias felizes montadas artificialmente, modelos animais ou crianças perfeitas. Mais acima, algumas garrafas vencidas de vinho devidamente fechadas. Os últimos raios de sol entravam por uma janela de vidros quebrados que jamais pareceu estar aberta à medida que eu iria compreendendo quanta solidão abrigada aquela casa cada vez mais abandonada. Fui perguntado se estava a observar o seu jardim enquanto ele voltava com uma garrafa de vinho à mão. “Já trabalhei muito nele”, completou. “Mas hoje não sinto mais ânimo de continuar”. Mesmo sem ter percebido a sua droga de jardim, respondi-lhe que estava fazendo um ótimo trabalho e o estimulei a continuar.

- Vamos, sente-se. Imagino que tenha algumas perguntas a me fazer. Deve estar com pressa.
- Muitos criaram expectativas acerca desta conversa. Têm muitos curiosos a fim de saber o que tem feito e por onde tem andado.
- Eu sempre escrevi e continuo escrevendo. Nunca andei em lugares por onde os interessados nesta entrevista estiveram, e portanto não sei por qual motivo insistem em dizer que me isolei. Não é verdade?
- Pensando por esse lado, faz algum sentido.
- Demorou muito para chegar até aqui? Dizem que o caminho é meio confuso.
- Sim, em certo ponto do trajeto tive que voltar cerca de 300 metros. Há muitas entradas parecidas em sua vizinhança.
- Ah, sim. Tenho bons vizinhos. Não posso reclamar. Eles ficam há quase um quilômetro de minha casa em qualquer uma das direções.
- Não posso dizer o mesmo. Moro num apartamento.
- Aquilo não é lar. Onde já se viu uma casa sem telhado e sem calçada? O seu prédio não é uma casa. É apenas um prédio.
- Me lembro que foi difícil para consegui-lo.
- É verdade que damos mais valor às coisas que nos vêm através de muito esforço, mas é preciso pensar no verdadeiro sentido das coisas. Não desperdice tanto tempo de trabalho comprando um pedaço de edifício em vez de uma casa com muros, quintal e jardim. Aonde seus filhos irão brincar? Você tem filhos, não tem?
- Um menino e uma menina.
- Deve ser um belo casal. Já sabem escrever?
- O meu garoto está chegando lá.
- Você não acha que estas nossas crianças estão cada vez mais precoces? É um fato.
- Deve ser um reflexo da velocidade com que recebemos informação.
- Acha que as crianças devem ter acesso à tecnologia desde pequenas?
- Não acho uma boa idéia.
- Você tem computadores em casa, não tem? Imagino que os seus filhos já sabem utilizá-los.
- Meu garoto gosta de jogos.
- Ah, os jogos! As crianças de hoje aprendem a atirar antes de escreverem seus sobrenomes. Não é interessante?
- São mesmo precoces.

Enquanto ele me fazia perguntas, foi aos poucos se dirigindo à varanda que já se encontrava escurecida. Foi obrigado a acender a luz externa. Quis saber acerca de meu trabalho no jornal, minha esposa e o lugar aonde moro. Perguntou ainda se eu tinha contato com meus amigos de infância e há quanto tempo não fazia uma viagem. Me deu inúmeros conselhos e me alertou do perigo da volta para casa, mas me consolou ao dizer que o caminho de volta é sempre mais rápido. Apertei-lhe a mão e entrei no carro, mas antes que ele entrasse para a sua solitária casa, me agradeceu em voz alta:
- Obrigado pela entrevista.

7 comentários:

Anônimo disse...

Ah, eu ando tão sumida! Devo estar em outro planeta ou coisa parecida! As duas semanas que se passaram eu tirei para esquecer do mundo, conselho do orientador.
Mas assim, espero que seu natal tenha sido fantástico; e desejo que 2009 seja infinitamente melhor que 2008!

Jéssica M. disse...

feliz ano novo pra ti tbm Gepp =DD

luz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
luz disse...

Obrigado, apareça sempre que quiser!
Vc já esta linkado!
Abraço e feliz 2009. Muita luz no seu caminho.

Jaquelyne Costa disse...

Gepp, estou com muita saudade de vc!!!
Beijos=***

Jéssica M. disse...

OO"
foi eu sim !
brigas em famílias, eu tinha que escrever alguma coisa 'minha'.
bjs:*
saudades de ler coisas aqui, cara.

Jéssica M. disse...

O livro é muito forte ( Maldito coração), muito forte. Mas leia, vale a pena.