domingo, 17 de julho de 2011

Um soldado perdido

O SOLDADO DEIXOU sua guarda. Olhou para si e não se reconheceu. Levantou-se e se colocou a caminhar em direção àquela estrada de terra abandonada. A manhã de céu nublado ensaiava engendrar os primeiros raios de sol. Ele parecia cansado e mal caminhava direito. Ao caminhar suas botas arranhavam o chão cheio de pedras e não produzia pegadas, mas rastros disformes. Carregava um grande peso nas costas, talvez toda a sua vida desviada e perdida. A arma escorregou pelos seus braços e o encontro com o chão pareceu mais um lento pouso que uma queda. Seu caminhar arrastado continuava e agora se olhasse para trás já não conseguiria mais ver o seu posto. Suas mãos agora vazias tocaram o seu duro capacete, que foi lentamente retirado sem esforço. O soldado o jogou fora e o seu barulho ao bater numa rocha serviu de ordem para que o homem fechasse seus olhos. Sem destino. Sem motivação. Sem sentido. Caminhando na escuridão daquele dia cinzento ele afastou as mãos uma da outra o máximo que conseguiu, e quem o visse de longe poderia pensar que desejava abraçar o mundo inteiro só com um movimento. Ergueu a sua cabeça antes abaixada e deixou a brisa tocar a sua face inexpressiva. Após três passos seu equilíbrio teve fim e caiu numa pequena ladeira que ia de encontro a um rio estreito e de águas escuras. Não havia vida ali. Não havia vida em lugar nenhum. O soldado ficou caído e imóvel próximo à margem e aos poucos foi voltando à realidade sentindo que seus pés estavam úmidos. Abriu os olhos mirando as pernas e percebeu que suas botas tocavam a água, e num movimento rápido ficou descalço. Adentrou no rio como se quisesse atravessá-lo e caminhou em direção à outra margem. A água atingiu seus joelhos e depois suas mãos, chegando logo à altura da cintura. Seu caminhar sem destino se encerrou num estante e sentiu o rosto úmido, mas não de água. Uma lágrima atravessou sua bochecha e se escondeu em sua barba. E o soldado desconhecido aceitou a sua solidão deitando-se nas águas do rio parado como se ali fosse o seu leito. Ele sentiu que já não sabia mais sentir.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Coleção

Sinto saudade do que jamais vivi
Alimento desejos irrealizáveis
Conquisto minúcias desnecessárias
Espero tudo o que jamais chegará

Reconheço uma confusão frustrante
Com espaço para inconseqüência
Planejo castelos sem estrutura
Derrubáveis com simples suspiros

Momentos que se perdem no tempo
Sonhos que se misturam a lembranças
Imagens que se dissolvem na memória
Eu coleciono amores platônicos

domingo, 3 de julho de 2011

Complexa simplicidade


LEMBRO QUE UMA vez mostrei a alguém algo que havia escrito em um de meus cadernos velhos. Poemas, contos ou fragmentos de um livro que se perdeu em sua própria história. O texto estava carregado, obscuro e cheio de elementos a serem decifrados e que davam múltiplas interpretações. Comentei que havia muitos outros como aquele, mas de uma simplicidade que lembrava os primeiros estímulos à escrita: as paixões. E meu leitor respondeu: “mas estes são os melhores”.

É VERDADE QUE os primeiros escritos de jovens com corações em chamas são intensos, simples e diretos. Desabafos para ninguém. Versos tão simples que chegam a ser íntimos, mas de uma sinceridade tamanha. E realmente é isto o que vale a pena. À medida que vamos evoluindo passamos e esconder nossas palavras em pensamentos disfarçados e frases sem sentido, usando termos difíceis a fim de parecer que somos mais um pouco sábios. Estamos na verdade buscando alguém que nos compreenda, mas preparamos um ardil tão difícil que nossa sina é terminar do mesmo modo de como começamos.

HÁ ALGUNS DIAS percebi que consegui escrever algo que me lembrou estes momentos, contendo rimas básicas e tudo. No entanto, não quis apagar como fiz com aos outros:

Ainda que tudo aquilo fosse um sonho bom; Minha lembrança não me deixaria mentir; Assim posso guardar tudo num lugar mágico; Não havendo perigo de nada se extinguir; De uma coisa eu sei, jamais vou esquecer; A intensidade marca mais que o tempo de acontecer

domingo, 12 de junho de 2011

Valentine

ESTA, NÃO É uma postagem concluída. Ensaiei um retorno ao ser surpreendido por um sentimento frustrado, mas o cansaço foi maior que o meu desejo de continuar. Certamente não concluirei a ideia, uma vez que perdi a linha de raciocínio, e por isso deixo aqui o que sem sucesso iniciei:

“NÃO, A TRISTEZA não atrai as pessoas. É irremediavelmente uma verdade. A gente se entristece por sentir-se sozinho e enquanto infelizes jamais conseguiremos nos remediar. Um fado complicado, mas bastante comum. Refugiamo-nos em distrações em busca de autoconfiança ou até mesmo tentando esquecer a nossa condição, forjando uma felicidade hipócrita a fim de ocultar dos outros nossa insatisfação. Mas uma hora ou outra o destino nos acertará a face despertando-nos para a dura realidade (...)”.

COM ISSO FUI dormir. E o blog deu um suspiro de vida.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Celebração à Solidão

Desarme-se
Você está livre agora
Eu voltarei à minha posição observadora e introspectiva
E então poderá novamente se reservar
Solitária
Ao lado de sua amiga solitária
Todos juntos em uma solidão coletiva
Assim nos sentimos bem
Enquanto nos sentimos sóis
Seu braço pode se posicionar diferente
E suas mãos abertas com os dedos a mirar-me
Em movimentos digitais ebrefechantes
Mas nosso fingimento nos permanece
Nosso egoísmo nos compreende
Nossa solidão nos basta
É que não queremos perder a graça de esperar
Para depois pensar em desembarcar
Vamos ficar assim, então
Juntos enquanto distantes

quarta-feira, 31 de março de 2010

Encontro com o Passado


OUTRO DIA ENTREI EM meu antigo quarto a fim de preencher um imenso vazio. Ele parece um depósito de lembranças adormecidas que se misturam entre cadernos, imagens e demais objetos até então temporariamente perdidos e esquecidos. A poeira, como um agente do tempo, coloca rugas e enferma meus objetos do passado me avisando que um dia tudo aquilo não me fará mais sentido. E se eu esquecesse tudo o que vivi? Um homem viveria o futuro sem o passado? Eu vi cartas e desenhos. Contos e problemas. Coleções absurdas e lembranças de alguns momentos. Um papel dobrado com anotações e uma lista sem sentido. Nomes que não conheço e comerciais obsoletos. Acessórios de um tempo diferente e obsessões hoje sem importância. Encontro escritos datados e planos extraordinários de coisas que nunca cheguei a concluir. Vestes sem uso. Um modelo do que eu deveria me tornar.

EM MEIO A TODO ESTE depósito de lembranças eu vasculho e seleciono o que ainda faz sentido e descarto estratagemas que não mais levarei em diante. E mergulhado nesta piscina melancólica eu traduzo obras que há tempos ninguém lia. Sou eu lendo para mim mesmo um livro que só hoje consigo entender. Meu passado me mostra o caminho a seguir e não me faz esquecer como devo me portar. E por detrás de um pano eu vejo algo em movimento. Foco melhor e reconheço um espelho com o meu reflexo. De tanto vasculhar o meu passado reconheço que o que eu estava tentando encontrar era a mim mesmo. E no plano inverso, no lado oposto a este tempo, um ser ingênuo faz projeções confusas buscando descobrir o que acontecerá consigo quando avançar anos no relógio. Seu quarto, no entanto, ainda não tem poeira alguma.