quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

On the Road

SEI PERFEITAMENTE O QUE é interromper um fluxo de criatividade redacional. Às vezes, o simples fato de virar a folha desconstrói o pensamento, deixando-o, muitas vezes, distinto das palavras anteriores. Já me aconteceu muitas vezes. Numa destas ocasiões rabisquei no fim do papel: "e seria apenas o início, não fosse a falta de espaço" (o outro lado, completamente em branco, não adiantava de nada). Por estes e outros motivos, entendo porque Jack Kerouac utilizou um rolo de papel de telex em sua máquina de escrever para autobiografar suas aventuras sem rumo pelas estradas norte-americanas no fim da década de 40. Numa alusão, aquele papel interminável significaria a própria estrada ou sua própria aventura. O fato é que On The Road se tornou um clássico e influenciou toda uma geração, tornando-se a bíblia daqueles que se consideravam beats na década de 60; e ajudou a forjar o que viria a ser os movimentos hippie e punk dos anos posteriores.

O ROCK AINDA NÃO EXISTIA no ano em que a estória foi vivida ou escrita (1951), mas seus personagens principais, Sal Paradise e Dean Moriarity, divertiam-se em bares ao som de jazz ou do popular bebop da época, enlouquecedor e bastante dançante, como viria a ser o rock'n'roll dos anos em que o livro foi finalmente publicado (1957). Sabe-se que o jovem Bob Dylan fugiu de casa inspirado neste romance, e da mesma forma teria feito Jim Morrison, que decidira montar sua banda após a leitura. É impressionante como o tema sobrevive até hoje. Certa vez encontrei, por acaso, um grupo chamado Dean Moriarity nas buscas sem sentido na internet.
A CARACTERÍSTICA PRINCIPAL do livro é a ausência de uma história a ser evoluída: não há um tema para a narração se apegar. Isso talvez deixe a leitura um tanto sem sentido, mais digerível apenas por aqueles que têm, pelo menos oculto dentro de si, um espírito aventureiro semelhante (ou às margens) ao de Sal/Kerouac. Colocarei a seguir um trecho que ajuda a resumir o espírito beat vivido nas páginas de On the Road:

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"E por um instante alcancei o estágio do êxtase que sempre quis atingir, que é a passagem completa através do tempo cronológico num mergulhar em direção às sombras interporais, e iluminação na completa desolação do reino mortal e a sensação de morte mordiscando meus calcanhares e me impelindo para a frente como um fantasma perseguindo seus próprios calcanhares, e eu mesmo correndo em busca de uma tábua de salvação de onde todos os anjos alçaram vôo em direção ao vácuo sagrado do vazio primordial, o fulgor potente e inconcebível reluzindo na radiante Essência da Mente, incontáveis terras-lótus desabrochando na rápida trepidez do céu. (...) Senti uma sensação suave, serpenteante como um tremendo pico de heroína numa veia principal; como aquele gole de vinho que traz um arrepio de satisfação num fim de tarde; meus pés se arrepiaram. Pensei que ia morrer naquele exato instante. Mas não morri e caminhei uns sete quilômetros, catei dez longas baganas e as levei para o quarto de Marylou no hotel e derramei os restos de tabaco no meu velho cachimbo e o acendi. Eu era jovem demais para perceber o que havia se passado".

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HISTÓRIAS À PARTE, Kerouac consegue manter o leitor realmente ansioso nas páginas finais, curioso para descobrir o que aqueles malucos encontrariam no México; e com uma verdadeira tristeza nas últimas linhas, sentida apenas naqueles que acompanharam até o final as aventuras daquela dupla inconseqüente e imortal. Jamais alguém escreverá algo parecido. Dica: se você ainda não leu, deve fazê-lo antes de morrer.

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